Caso houvesse uma hierarquia entre os professores, não haveria dúvida: os de religião, inglês e espanhol seriam os últimos e os de redação estariam no topo da cadeia alimentar.
Pense bem. Nenhum outro professor tem tanto poder para te oprimir. Geralmente possuem aulas de baixíssima frequência, tipo uma a cada 15 dias, o que eles interpretam como um motivo para poder cobrar vinte redações ‘originais e criativas’ sobre temas absurdamente chatos.
Mas tudo bem, tudo bem, faço esse esforço! As redações geralmente são embasadas em tirinhas (que advinhem, não tem graça alguma). Dessa vez não, uma entrevista. Droga, demorarei mais de 30 segundos para ler o tema. Começo a ler:
” Ziraldo fala sobre o humor (…) escreva uma redação argumentando a favor”. Ok, ok, vamos com calma. Nunca ri de nada que o Ziraldo fez em toda a sua vida. ”Rir não tem nada a ver com humor – diz Ziraldo”. Ótimo, estamos conversando, enfim.
Você faz então seu texto. Ficou bom? É claro que não! Você o(s) fez em míseros dez minutos, e durante os escrevia você estava quase acreditando que química é uma matéria, de fato, eletrizante. Você leva a redação até a professora, trêmulo. A professora te mira com um olhar de pura reprovação, e ela nem leu o título ainda (que por acaso foi escolhido por mero acaso). Ela talvez tenha sentido o cheiro do quão ruim você é, a distância. Com uma esferográfica vermelha, ela começa a esgrimar seu texto.
Vírgulas. Na minha opinião, se o seu texto é um bolo, a vírgula é o granulado: devem ser aplicadas com parcimônia, somente onde ficar bonito. Ponto e vírgula é um sinal tão escuso que eu nem sei se é do gênero masculino ou do feminino e muito menos se o correto é com hífens (ponto-e-vírgula). Ele/Ela é tipo a cereja do bolo: você vai ver textos com, nunca o seu.
O seu texto, antes tratado com carinho paternal, é duramente golpeado com tinta vermelha. É a sua redação sangrando pela sua incompentência. Seus olhos, por um breve instante, enchem-se de lágrimas. Apesar de tudo, a redação é sua filha.
”Está ruim” – diz ela, como se eu não soubesse, e pega um carimbo em sua gaveta. ”Não está somente ruim. É ruim a um ponto em que eu nunca vi na minha vida. Um analfabeto teria melhores resultados que o senhor. Pedro Álvares Cabral está envergonhado em seu túmulo, por indiretamente, ter te passado o conhecimento da belíssima língua portuguesa, que foi cruel e friamente assassinada. Eu, como professora de redação, penso que só me resta o suícidio se este texto vazar. Recomendo que nunca mais escreva um texto, uma linha, um período, uma oração, uma palavra, um recibo, seu nome. Não vejo como o toque seu em uma caneta pode trazer algo além de infortúnio, dor e desgraça. Aqui, este carimbo tem seu nome escrito. Use-o quando precisar.”
Silêncio.
”Quer dizer que eu não preciso mas vir na aula de redação?”
A professora, então, se joga da janela.